26 de setembro de 2010

Pela Manhã

"[...] ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida."
Pablo Neruda, O teu riso


Senti o cheiro enquanto ele colocava o café na xícara. Vi aquele raio entrando e anunciando que a manhã já estava posta, pronta pra desenrolar o dia. Desci e vi: papel, caneta e uma xícara de café em cima da mesa. Aproximei-me receosa de ser curiosa. Decidi. Li. Ele viu. Fiquei vermelha, o sangue correu para a boca e sem pensar disse: 

- Me atraiu.

Pensei. Corrigi:

- O ... café me atraiu.

Em um momento reconheci. Foi o mesmo riso que me fez estar aqui. Gentil como se fosse o próprio sol convidando para o carpe diem.

Lembrei de respirar e ele me convidou a sentar. Um café para a manhã, a primeira de todas as manhãs. O ar sem graça me fazia engolir toda a saliva que restava. Garganta presa pelo medo de falar todas as palavras que queriam pular. Imaginava. Concentrava-me em não ceder ao instinto de amar. De me lançar em seu colo e entrelaçar meus dedos nos seus fios.

O vi clarear calado. Nunca tive a ambição de ler pessoas, sempre esperei para ver as camadas se desenrolarem. Neste dia me arrependi de não saber as letrinhas correndo por sua face. Via projetar os acordes no papel. Tinha um jeito especial de segurar a caneta, um sexto dedo. Escurecia a folha. Hoje o inverso de ontem. Eu uma interrogação e ele três pontos misteriosos. 

Café esfriando. A xícara apertada em minha mão. Cada gesto meu aspirava um segredo. Tirei de uma vez impulsos da gaveta e debrucei sobre a mesa apenas alguns decibéis de som que trouxe ele para mim: 

- Posso ler? Implorei. 

Ele me entregou a folha rabiscada com uma letra comum, um sorriso amarelo e uma poesia inacabada. Dava pra sentir seu carinho jorrando do papel pintando Neruda:

Nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

- Abro-me de poesia toda manhã. 

E calou-se como se isto apenas bastasse para o entender. Bastou. 

- Poucas pessoas conheci que podiam tão somente calar e apenas sentir. 

Eu disse baixo, quase que pra mim, espantada por ser assim capturada. Debulhei conhecimentos jogados ao acaso, e não por acaso, percebi que se estou aqui é por que não resisto à poesia escancarada, exagerada. Ela é quem me arrebata, me traga os sentidos. Descobri todos os pedacinhos de mim. Tudo estava ali.

Não sei o seu nome moço e tão pouco quero saber se este manto me tirar todo o encanto desenhado nesta manhã pelo teu riso, teus labirintos.


8 comentários:

Glau Ribeiro disse...

Obrigada pelo carinho e pelas palavras, Tai. Resolvi fechar o blog mas como você tá lá no cantinho das pessoas que estão sempre por perto, eu mandei o convite porque a varanda estará sempre aberta pra vc! =)

E eu acho que as vezes, não saber faz toda a diferença. ;)

Beijo!

Amanda Beatriz disse...

nada como um pouco de poesia p/ começar bem o dia :)
beijo.

Marcos Vinicios Rodrigues disse...

Muito lindo. Cheguei até aqui pelo Neruda, mas me encantei com a poesia de suas palavras mais ainda.. Parabéns menina!

Michele disse...

Tai, que texto mais lindo! Doce, suave, delicado! Você escreve muitíssimo bem!

Pois bem... agora que havia optado pelo parto normal, a periquitinha aqui resolve sentar! Mas acho que ela ainda vira até o final! Estou sentindo isso! haha

Beijos, querida!

Quel Hapuque disse...

Rá doninha! Você aqui?

Que lindo, lindo e lindo.
Amei tudo aqui e tão feliz com essa novidade.

Vou voltar, viu?

Um beijo, prima. Saudades.

Ju Fuzetto disse...

Que coisa mais linda!

Tudo tão delicado.

Esse sentir pulsando no peito.

Tão bonito.


beijo linda flor

Felipe Braga disse...

De uma postagem que começa com uma citação do Pablo Neruda pode-se esperar coisa boa.

Adorei a forma como você consegue pôr poesia em textos em prosa, Tai.

Seu público pede mais!

Beijos.

Anônimo disse...

Gostei muito de suas poesias! Parabéns, você tem um talento nato e expressa de forma autêntica seu sentimento através de cada palavra. Um desafio grande para cada escritor...já aguardo ansioso sua próxima expressão artística.
Abraços!